FAMÍLIA || 7 Coisas que Aprendi com a Mãe


A gostar de escrever: estava no 2º ano quando a minha mãe ofereceu-me o meu primeiro caderno recreativo. Era laranja e tinha um hipopótamo em relevo a 3D. Foi o primeiro caderno sem regras que veio parar às minhas mãos. Não tinha de escrever letras vezes sem conta, nem de fazer exercícios nele. Não tinha sequer de fazer cálculos. "Podes escrever tudo o que quiseres. Podes escrever tudo o que imaginares", disse-me. Rapidamente as minhas histórias que inventava entre brinquedos transitaram para o papel. Nele escrevia, quase todos os dias, contos. Mirabolantes, cheios de erros de ortografia e alguns sem o menor sentido de cadência e propósito, claro, mas é assim que se começa. Escrevia até não me apetecer mais e depois mostrava à minha mãe, para ela ler. Foi assim que ganhei o hábito de escrever, de querer partilhar, de querer contar e imaginar, ser criativa. Não sei qual teria sido o meu rumo se não tivesse recebido aquele caderno do hipopótamo. Talvez não estivesse aqui, a escrever um blog. Talvez só descobrisse esta paixão muito mais tarde. Facto é que ela sempre apoiou muito a minha veia de escrita e fazia os devidos comentários construtivos. Sinto sempre que abracei esta paixão tão cedo graças a ela.

A gostar de basquetebol: foi o desporto dela e onde dedicou grande parte da sua vida. Começou nova e atingiu títulos, tornou-se capitã e consagrou-se campeã nacional, jogou na selecção e abdicou de uma vida de adolescente comum para ter uma rotina de atleta federada. O basquetebol faz parte do seu DNA e era impossível não o ter passado para mim. Foi com ela que compreendi o lado incrível e excitante desta modalidade, que discuti as minhas técnicas e dificuldades, que vi jogos à sexta-feira à noite e que joguei 1x1. É, também, o desporto da minha vida e sei que só é assim porque encontrei, durante toda a minha vida, referências vindas de alguém da minha inteira confiança e amor.

Não é admissível faltas de respeito, seja de que parte for: a nossa vida inteira é feita de relações, de hierarquias, de colegas, amigos, familiares e parceiros, que exigem as devidas deferências e respeito mas ninguém, absolutamente ninguém tem o direito de ser cruel a bel-prazer, ninguém tem o direito de fazer uso da sua autoridade ou da sua relação connosco para abusarem de nós, para nos diminuírem, para nos ameaçarem. Não é admissível alguém insultar-nos, troçar-nos ou prejudicar-nos por simples vontade. A minha mãe ensinou-me que não me posso permitir a baixar os braços quando alguém é injusto, mal educado ou falta ao respeito comigo e a defender a minha posição enquanto ser humano que não merece, de todo, qualquer intimidação.

O medo não me pode paralisar: a ansiedade não é fácil e juntá-la à insegurança não ajuda. Nos primeiros tempos em que desenvolvi mais significativamente a minha ansiedade, sentia-me assustada com todas as emoções e pensamentos que intoxicavam a minha mente e esmagavam o meu peito. Não conseguia reagir, simplesmente queria fugir e gritar. A minha mãe esteve lá em todos os momentos mas, mais importante, agarrou-me nas mãos com força, olhou-me nos olhos sem qualquer ponta de incerteza e disse-me "O medo não te pode paralisar e tens de repetir as vezes necessárias que isso que estás a sentir é temporário e não se pode sobrepor a todas as coisas maravilhosas que estás a perder por medo de falhar". Não posso deixar que o medo de falhar, de não conseguir, de ter milhões de tarefas inacabadas para cumprir me torne num vegetal intelectual e evolutivo. Ela ensinou-me a aceitar a ansiedade mas nunca, sob nenhuma hipótese, deixar que ela saia por cima. Ensinou-me a controlar os ataques de pânico e teve sempre as palavras certas para quando sofria alguma crise. Foi ela que me ensinou a ir em frente mesmo que o meu coração esteja na boca, a continuar a trabalhar mesmo que toda eu esteja a tremer com medo de não ver as tarefas terminadas, a dizer que sim mesmo que todos os meus pensamentos me remetam para "que estupidez, não o faças, vais falhar". O medo não me paralisa nem me impede de me permitir arriscar e aceitar oportunidades.

A colocar-me no lugar dos outros: por muito que a nossa vida seja ocupada, preenchida e cheia de voltas e reviravoltas, é fundamental colocarmo-nos no lugar do outro, nunca tirar conclusões precipitadas nem certezas dúbias e darmos a devida atenção às nossas pessoas. Não opino sobre relações das quais não faço parte, tento sempre colocar-me no lugar dos outros para observar e avaliar tudo aquilo por que passaram para chegar a determinada decisão e tenho o toque essencial para compreender que há coisas que não se dizem, expressões que devem ser evitadas em determinados momentos, que frontalidade não é o mesmo que inconveniência gratuita e que eu não sou ninguém para julgar seja quem for, mesmo que eu não escolhesse os mesmos caminhos que essa pessoa. A minha mãe ensinou-me a estar com os outros sem perder a noção da realidade e ficar alheia aos sentimentos, decisões e obstáculos dos que me rodeiam. Ensinou-me a estar atenta às minhas pessoas, a compreender aquilo que é mais importante para elas (mesmo que não seja, de todo, importante para mim) e a respeitar aquilo que elas valorizam. Os meus amigos gostam de afirmar "sabes sempre o que dizer" mas isso é porque a minha mãe me ensinou a pensar como seria estar no lugar deles e a indagar o que eu precisaria de ouvir naquele momento e o que não faria sentido nenhum ler numa mensagem. 

Não é necessário sermos frios para sermos fortes: calculismo, insensibilidade, falta de empatia e espírito vingativo não são sinónimos de força. Eu posso ser amável para todos os que me rodeiam e, mesmo assim, poder dizer "não". Eu posso ter sensibilidade e um espírito sonhador sem que isso comprometa a minha capacidade para agarrar os meus sonhos e lutar por novos projectos. Eu posso dar o meu coração inteiro a alguém sem que isso justifique perder o meu lugar e o meu direito a ser respeitada. Eu posso ter compaixão com os outros sem perder os meus objectivos. Eu não tenho que passar por cima de ninguém para chegar onde quero, eu não tenho de fechar o meu coração para me permitir a sentir "invencível", eu não posso desligar-me das emoções nem colocar uma máscara de impenetrabilidade só para transmitir poder. Ser forte não é ser arrogante ou incapaz de se relacionar com os outros e estreitar laços ou confiar. Ser forte é manter-me fiel a mim mesma e aos meus valores e princípios, é não deixar que me pisem nem pisar ninguém, é ter entrega às minhas pessoas e aos meus objectivos, é nunca perder a chama de querer ser uma versão cada vez melhor de mim mesma, é ter compaixão e empatia com os outros e comigo mesma mas manter os olhos abertos e a cabeça no lugar para compreender quando é necessário afastar-me do que me intoxica ou não me enriquece. 

Devemos lutar, todos os dias, pela nossa autonomia: por muito que as nossas pessoas sejam fundamentais na nossa vida, por muito que nos ajudem, por muito que seja maravilhoso tê-los a todos como pilar, a nossa autonomia é tudo, desde passar a ferro a conduzir um carro. Desde cedo que a minha mãe ensinou-me tudo o que podia para eu conseguir conquistar as minhas coisas. Começamos sempre da estaca zero e nunca é tarde para querermos ganhar uma nova independência. A ignorância é o primeiro passo para dependermos dos outros para sobrevivermos e desde cedo que aprendi a ter curiosidade, a querer saber fazer, a conquistar as minhas coisas passo a passo. Cuidar da roupa, fazer limpezas, cozinhar - ainda que pessimamente -, conduzir um carro, ganhar o meu dinheiro e responsabilizar-me pela sua gestão são particularidades gigantes na nossa autonomia que devemos sempre lutar para nunca perder. Valorizar os alicerces das nossas pessoas, sim - sempre! -, mas nunca nos encostarmos unicamente a elas para sermos pessoas capazes.

Feliz aniversário, mãe!

4 comentários

  1. Alguns dos pontos que referiste podiam ter sido escolhidos por mim para definir o que aprendi com a minha mãe! Muitos parabéns à tua mãe :)


    A Sofia World

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  2. É bastante curioso que, mesmo de formas diferentes, também aprendi tudo isso com a minha mãe (à excepção do basquetebol).

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  3. "Não é necessário sermos frios para sermos fortes" <3 que post bonito

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